Vila da Estrela

A VILA DA ESTRELA (1846 – 1892)

Objetivo: contar a história do município da Villa da Estrella, hoje extinto, que teve sua origem na construção da variante do Proença, rota de ligação da Corte com as Minas Gerais (em azul no mapa ). Sua vida efêmera deve-se à revolução dos meios de transporte com a construção das primeiras ferrovias do estado.

Mapa de 1892 com croquis do autor assinalando os caminhos (em azul a variante)

  1. O caminho novo

Até o final do século XVIII o caminho que ligava a Corte às Minas Gerais exigia viagem marítima até Paraty e daí a subida da Serra do Mar até Taubaté onde se encontrava com o ramo paulista para depois atravessar a Mantiqueira. Ficou conhecido como Caminho Velho. Trajeto difícil e perigoso, era muito criticado pelos que demandavam uma ligação mais eficiente. A autorização para a abertura de um novo caminho foi passada por Carta-Régia em 1699 endereçada ao governador da capitania do Rio de Janeiro, Artur de Sá Menezes [¹]. A abertura da nova via ficou a cargo do bandeirante Garcia Rodrigues Paes, filho do famoso Fernão Dias.

O novo trajeto se iniciava no Cais dos Mineiros próximo à praça XV, atravessava a baía de Guanabara e subia o Rio Iguaçu e seu afluente Rio do Pilar até a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar do Iguaçu em seu porto Pilar do Iguaçu. Aí começava a parte terrestre do que ficou conhecido como Caminho do Pilar ou Caminho Novo (em magenta no mapa).

A Freguesia do Pilar

A Freguesia de Pilar do Iguaçu originou-se da capela curada de 1637 dedicada a Nossa Senhora do Pilar, elevada à “Paróquia Encomendada” em 1696. Com a construção do Caminho Novo, um registro imperial, conhecido por “Guarda do Pilar” foi instalado na confluência dos rios Pilar e Iguassu para controlar o tráfego de valores proveniente de Minas Gerais. Com o progresso, em 1720 uma nova matriz seria construída e seu rico altar ficaria famoso (Wikipedia, verbete Pilar do Iguaçu). Em 1833, com a criação da Freguesia de Iguaçu, Pilar seria a ela incorporada até a criação da Vila da Estrela, à qual passou a ser subordinada (ver capítulo 3 abaixo). Seria mais tarde estação de EF do Norte em 1887 [⁶] e teria agencia postal de 1888 a 1912 [⁷]. Essa agencia está listada neste site no município de Duque de Caxias (ERJ 416), onde o distrito está atualmente subordinado.

  1. A “Variante do Proença”

Ocorre que o trecho de subida da Serra do Mar era muito íngreme e eram frequentes os acidentes com as caravanas que a utilizavam. Um fazendeiro da região, Bernardo Soares de Proença, propôs abrir um caminho alternativo seguindo uma trilha utilizada pelos índios em sua fazenda. A proposta foi aceita e Proença a construiu entre 1722 e 1725. Iniciou seus trabalhos com a construção de um novo porto no Rio da Estrela que também desaguava na Guanabara [²].

Ao chegar ao topo da serra o trajeto passava pela Fazenda do Córrego Seco – onde mais tarde seria construída Petrópolis. Daí seguia para o norte acompanhando o rio Piabanha até Secretário e depois por Santana de Cebolas (atual Inconfidência) e Encruzilhada (atual Salutaris) até reencontrar o Caminho Novo em Paraíba do Sul. O calçamento da variante começou no início dos anos 1800 e teve impulso com a vinda da família real para o Brasil em 1808 (em azul no mapa acima).

  1. O Porto da Estrela

O Arraial do Porto da Estrela tornou-se o mais importante entreposto do comercio entre a Corte e Minas Gerais. Nela foi construída uma capela dedicada a Nossa Senhora da Estrela dos Mares. Essa capela se reportava à então poderosa freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, curato de 1677 até 1696, quando foi elevada a freguesia [³]. Seu território era extenso, abrangendo uma área que ia da baía de Guanabara até o alto das serras, incluindo a região da futura Petrópolis. Ela disputava com Iguassu a hegemonia econômica da região até que esta foi elevada a Vila em 1833. Uma batalha política entre elas levou à extinção de Iguassu em 1835 [⁴], embora tenha sido restabelecida no ano seguinte [⁵].

O progresso de Estrela levou o Arraial a ser por sua vez elevado a Vila através da Lei Provincial Nº 397 de 20.5.1846 [⁸]. A ela foram anexadas as freguesias de Inhomirim (em 1859) e do Pilar – esta desmembrada de Iguassu (como vimos no capitulo 1) como ponto de partida do Caminho Novo. Mas, como veremos mais adiante, teve vida curta.

A agencia postal “Estrela” foi criada em 5 de março de 1846 e funcionou até 28 de janeiro de 1897 [⁷].

 

  1. A era das estradas de ferro

Faço um intervalo na cronologia da Vila da Estrela para comentar o advento de uma inovação que teria grande influência na história dos municípios da baixada: as estradas de ferro.

Mapa Postal de 1928, apresentando o traçado das ferrovias

Estrada de Ferro Barão de Mauá

Irineu Evangelista de Souza, visionário e empreendedor, construiu a primeira estrada de ferro do Brasil, que tomou seu nome. O trajeto escolhido foi a ligação da Corte com Minas Gerais, em direta competição com a Variante do Proença. Um novo porto foi construído na atual Guia do Pacobaíba, a poucos quilômetros da Estrela, onde aportavam os vapores provenientes da corte.  O primeiro trecho da linha foi inaugurado em 1854 entre a estação Mauá e Fragoso, chegando em 1856 à estação de Raiz da Serra por onde passava a Variante do Proença.  (ver mais detalhes em NOTA 1 abaixo).

A agencia postal “Mauá” foi criada em 12 de maio de 1880, renomeada Guia de Pacobaíba em 7 de março de 1946 e esteve ativa até 2002. Foi sucedida por uma AGC de mesmo nome, que funcionou até 2010 [⁷].

A agencia postal “Raiz da Serra” foi criada em 1869, foi renomeada Inhomirim em 1941 (nenhuma relação com a antiga sede da Freguesia de mesmo nome) e funcionou até 2000, quando foi sucedida pela AGC de mesmo nome até 2010 [⁷].

O trecho da subida da serra foi contratado somente em 1873 por ser tecnicamente complexo; uma nova Companhia, a EF Grão Pará, assumiu o trecho e chegou a Petrópolis em 1883. Em 1888 ela foi comprada pela The Northern Railway Co que ligou a EF Grão Pará com a Linha do Norte que chegava nessa mesma época à estação de Entroncamento, mais tarde renomeada Piabetá, nome do rio que a banhava [⁹]. A esse respeito, leia o próximo parágrafo.

Uma agencia postal Piabetá está ativa desde 1976 [⁷].

Pier do Porto Mauá (autor desconhecido)

Estrada de Ferro do Norte (Em 1888 The Rio de Janeiro Northern Railway Company, em 1890 EF Leopoldina e em 1898 The Leopoldina Railway)

O primeiro trecho da EF do Norte foi construído entre 1886 e 1888 saindo da estação de São Francisco Xavier no Rio e atravessando o município de Duque de Caxias até a localidade de Estrela (hoje Imbariê).

Após a aquisição da Grão-Pará em 1888, ela a prolongou até a estação de Piabetá onde se entroncou com essa ferrovia, completando a ligação ferroviária de Petrópolis com o Rio. Em 1926, a linha foi expandida, sendo uma nova estação inicial inaugurada com o nome de Barão de Mauá (hoje Leopoldina). Além disso, partindo de Saracuruna, a linha foi prolongada até Mage, cruzando o traçado da EF Mauá próximo a Bongaba [¹⁰]. Com isso, o trecho original até a antiga estação Mauá passou a simples ramal. As ruínas do píer e da estação ainda podem ser vistas no local.

Mapa de 1892 com uma visão abrangente da região ao fundo da baía de Guanabara

  1. O auge e a decadência

Num primeiro momento, a construção da EF Mauá traria ainda mais progresso à Estrela, pois a ferrovia encurtava o caminho para a Variante do Proença que passava por Raiz da Serra. Ocorre que a Variante também cruzava a região de Petrópolis que viria a ser escolhida pela família real como sede do Palácio de Verão. No ano de 1846 seria criado o distrito de Petrópolis – elevado a Vila quando a Assembleia Legislativa Provincial promulgou a Lei N º 961, em 29 de setembro de 1857 [¹¹]. Parte do território da nova vila seria desmembrado da Estrela. Em o compensação, quando da instalação do novo município, Estrela receberia de Magé o distrito de Inhomirim em fevereiro de 1859; a sede desse distrito também seria transferida para Estrela.

Por outro lado, o porto da Estrela sofreria concorrência do Porto Mauá. O golpe final seria a interligação da EF Mauá com a Ferrovia do Norte em 1888, ligando Petrópolis e Minas Gerais diretamente à capital. O município seria extinto em 8 de maio 1892 e seus territórios incorporados a Magé. A agencia postal foi fechada em 28 de janeiro de 1897 [⁷].

A freguesia de Inhomirim foi transferida a Magé, onde é distrito até hoje. Já sua sede foi transferida da antiga Inhomerim para a Vila Inhomirim (antiga Raiz da Serra). A antiga sede da freguesia desapareceu e hoje a capela de NS da Piedade está abandonada junto ao cemitério de Bongaba [¹²].

Por sua vez, a freguesia de Pilar voltou a ser anexada à Iguassu, da qual é distrito até hoje, tendo sido renomeada Xerem em 1919 [⁵].

Uma reminiscência de Estrela é o Parque Estrela, bairro do distrito de Vila Inhomirim em Magé. Nele ainda podem vistas as ruínas do Porto da Estrela, da “Casa das Três Portas” e da Capela de Nossa Senhora da Estrela dos Mares (local assinalado no Wikimapia).

Ruínas do Porto da Estrela

  1. Nota 1 – detalhes e curiosidades sobre a linha da EF Mauá

Estações da linha (6):

Km 0,0 Mauá 1854 EF Mauá Depois Guia do Pacobaíba
Km 3,1 Caiubá 1854 EF Mauá
Km 5,3 Calafate 1854 EF Mauá
Km ~ 7,0 Bongaba 1926 EF Leopoldina Cruzamento das linhas
Km 7,8 Inhomirim 1854 EF Mauá Depois Cacebu ou Casseribu
Km 11,8 Entroncamento 1888 EF Northern Depois Piabetá
Km 14,5 Fragoso 1854 EF Mauá
Km 16,3 Raiz da Serra 1856 EF Mauá Depois Vila Inhomirim

A linha segue até Petrópolis e Minas Gerais.

Bongaba: estação aberta pela Leopoldina em 1926 quando da expansão da sua linha de  Saracuruna para Magé. A estação ficava próxima ao cruzamento com a linha Mauá. Sua estação está hoje em ruínas.

Inhomirim: trata-se da antiga sede da Freguesia de Inhomirim descrita no capítulo 3 Uma agencia postal aí funcionou de 2 de junho de 1871 a 17 de agosto de 1918. Mais tarde, a sede seria transferida para a Vila Inhomirim, antiga Raiz da Serra.

A estação de Entroncamento, futura Piabetá, foi aberta em 1888 quando a Northern uniu a linha do Norte do a antiga EF Mauá rumo a Petrópolis.

A Parada Fragoso foi o ponto final do primeiro trecho da Mauá.

Raiz da Serra tem vocação industrial antiga. A Real Fábrica de Pólvora foi criada em 1808 e construída na Lagoa Rodrigo de Freitas, na época um arrabalde do Rio. Problemas ecológicos exigiram sua realocação, efetuada entre 1826 e 1832. O local escolhido foi a Raiz da Serra, próxima à Variante do Proença, rota para Minas Gerais de onde provinham diversas matérias primas e próxima ao Porto da Estrela.  Era a Real Fábrica de Pólvora da Estrela. A Guerra do Paraguai a partir de 1863 traria recordes de produção até seu fim em 1870 (13). Não por acaso, funcionou exatamente nesse período a agencia postal “Fábrica de Pólvora” (7). Hoje está subordinada à Imbel.

Sede da Fabrica de Polvora (Geografia Urbana UFRRJ)

Em 1871 uma equipe de engenheiros ingleses desembarca na estação à procura de um local para construir uma indústria têxtil. A abundância de água e a ligação ferroviária decidiram pela construção da fábrica no local conhecido por Pau Grande – parte aliás da antiga Variante do Proença, descrita no capítulo 1. Uma ligação férrea foi também construída em 1883 entre a fábrica e a estação. Era denominada Companhia de Tecidos Pau Grande, onde, nos anos 1940, trabalharia nosso ídolo Garrincha. Mais tarde, sua razão social passaria a Companhia América Fabril (6).

Como curiosidade, vale lembrar que uma indústria têxtil ainda mais antiga foi construída em 1847 na localidade de Santo Aleixo, em Magé, cuja história está na página desse município.


 Fontes:

  1. Wikipedia, verbete Caminho Novo
  2. Wikipedia, verbete Caminho do Proença (ou Caminho do Inhomirim)
  3. Atlas digital da America Latina 4
  4. https://www.mobilidadefluminense.com.br/2018/05/Municipio-de-Estrela.html
  5. IBGE
  6. Estações Ferroviarias do Brasil
  7. Boletim Postal ou Guia Postal da Diretoria dos Correios
  8. Wikipedia, verbete Vila da Estrela
  9. Estradas de Ferro blogspot
  10. Wikipedia, verbete Estrada de Ferro Leopoldina
  11. ihp.org.br e IBGE
  12. Wikimapia, procurar capela de Nossa Senhora da Piedade
  13. MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira (Arquivo Nacional)

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