Escopo: este artigo descreve a história da freguesia, depois município ou vila de Santo Antonio de Sá, a mais antiga da baixada fluminense [1].
Começo por apresentar dois mapas em diferentes momentos do século XIX. O primeiro, de 1823, tem a vantagem de apresentar a geografia da época; o segundo é de 1892 e permite avaliar a importância relativa das povoações ao final do século e trazendo em vermelho o traçado das ferrovias [2]. Os locais referidos no texto estão marcados pelas letras de A a R.
Um pouco sobre os termos históricos. No império, o catolicismo era a religião oficial do estado, permeando a organização política. Assim, uma Povoação era referida como um Curato, ou seja, uma capela com um cura residente com autonomia para cuidar das atividades religiosas locais. Uma Freguesia era a menor divisão administrativa, chamada Distrito na República. Por último, a Vila era um conjunto de Freguesias que nos tempos republicanos passou a se denominar Município.
As origens
Em 1565 uma esquadra comandada por Estácio de Sá, sobrinho do então governador-geral do Brasil, Mem de Sá, chegou ao Rio de Janeiro para estabelecer bases de proteção contra as invasões francesas e as ameaças indígenas. Em 1º de março ele fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro aos pés do Pão de Açúcar.
Dois anos depois, com a expulsão dos franceses, era vez de solidificar o controle da região com a ocupação da baixada fluminense através da concessão de sesmarias. O maior dos rios que desaguavam na baía de Guanabara era o Macacu, navegável em grande extensão. Em 29 de outubro de 1567 há registro de concessão de sesmarias às margens do Macacu aos fidalgos Cristovão de Barros e Miguel de Moura. Este último repassou sua propriedade aos jesuítas e estes a Manoel Fernandes Ozovro que em 1612 erigiu uma capela entre os afluentes Ceceribu e Guapi-Açu sob a invocação de Santo Antonio.
Elevada a Curato em 1624 e a Freguesia pelo alvará régio de 10 de fevereiro de 1647 com o nome de Santo Antonio do Caceribu. Foi primeira a se estabelecer na baixada fluminense, sendo mais antiga que ela somente a da Sé do Rio de Janeiro. Em 5 de agosto de 1679* o então governador Artur de Sá e Menezes aprovou sua elevação à Vila, com o nome alterado para Santo Antonio de Sá em homenagem à sua família.
Cabe registrar que a Vila ficou popularmente conhecida por Santo Antonio do Macacu, ou Macacu; um exemplo é o mapa de 1823 que ilustra esta matéria (local A).
(*) há fontes com a data de 1697, mas a que escolhi consta de relatório ministerial.
A fase de crescimento
No século seguinte a vila prosperou e em 1778 ela compreendia seis freguesias. A saber:
- Santo Antonio de Sá ou de Macabu, sede em 1647 (A)
- Nossa Senhora da Ajuda de Sernambitiba ou Guapi-Mirim, criada em 1755 (J).
- Nossa Senhora da Conceição do Rio Bonito, criada em 1768 (D)
- São João Batista de Itaboraí, criada em 1696 (E)
- Nossa Senhora do Desterro de Itamby (ou Tambi) criada em 1755 (F)
- Santíssima Trindade, criada em 1737 (B)
Das capelas filiais da Matriz de Santo Antonio de Sá, podemos citar o Convento de São Boaventura, construído em 1670 pelos franciscanos dentro do seu perímetro urbano e de longe a mais importante. Seu declínio começou com as epidemias que grassaram por volta de 1830 sendo definitivamente abandonado em 1850. Vale ainda citar a capela de Nossa Senhora de Monserrate em Papucaia (G) e a capela de São Jose da Boa Morte origem em 1837 da freguesia de mesmo nome (H).
A agencia postal Santa Anna Santissima Trindade (nome listado GP 1856) foi criada em 24 de janeiro de 1820 [3] sendo a mais antiga do estado juntamente com Nova Friburgo e Cantagalo (Campos é hors concours por ser de 1798 – a mais antiga do Brasil).
A decadência
Nas primeira metade do século XIX as condições que favoreceram o desenvolvimento de Santo Antonio mudavam rapidamente. Grande número de fazendas e engenhos funcionavam na região. O desmatamento para plantações e o intenso comércio de madeira causaram o assoreamento dos rios; enchentes alimentavam pântanos que traziam insalubridade. O resultado foi uma epidemia de malária que grassou de 1830 a 1835 que ficou conhecida como “febre de Macacu” e assolou toda a região, particularmente a vila de Santo Antonio, abandonada por boa parte da população que se mudou principalmente para Santa Anna e São José da Boa Morte.
Outros locais eram mais salubres, mostravam-se mais adequados para a agricultura, ou possuíam melhor acesso aos mercados, dentre os quais se destacava Itaboraí – todos concorrendo economicamente com a sede.
O começo do fim de Santo Antonio
Acompanhando a história das freguesias do território de Santo Antonio listadas acima, nota-se que a antiga sede não conseguiu acompanhar o progresso, sendo paulatinamente desmembrada. Dos antigos territórios, em meados do século XIX restavam apenas as freguesias da sede e a de São Jose da Boa Morte. As demais geraram novos municípios: Itaboraí (incluindo Itambi), Guapimirim e Cachoeiras de Macacu.
Esta última merece citação especial pela história de sua origem após conturbados embates político-eclesiásticos envolvendo as freguesias de Sant’Anna e Santissima Trindade. Essa história está contada em detalhes na página de Cachoeiras de Macacu.
A inauguração em 1860 da EF do Cantagalo, no trecho entre Porto das Caixas (N), e Cachoeiras (L) trouxe nova ameaça, uma vez que reduzia o tempo de viagem das mercadorias. Ganhavam ainda mais importância a vila de Itaboraí, com seu entreposto comercial Porto das Caixas, e a estação de Santana. Um pouco mais tarde, seria inaugurado o trecho entre Niterói (Maruí) e Porto das Caixas, assim completando a ligação ferroviária entre a capital do estado, Nova Friburgo e Cantagalo.
A extinção da Vila de Santo Antonio de Sá
Desde a década de 1840 a Assembleia Legislativa Provincial (AL) já discutia a extinção de Santo Antonio de Sá, então em franca decadência. Sua resistência mais se baseava em sua importância histórica do que em bases econômicas. Finalmente, em 6 de novembro de 1868 a AL aprovou a transferência da sua sede para a da sua freguesia mais importante, a de Santíssima Trindade de Santana do Macacu, nome que vila passou a adotar [4].
Entendendo: a imagem abaixo é do Relatório Ministerial de 1882. Nele, lemos que a Vila de Sant’Anna de Macacu é composta pela sede Santíssima Trindade de Sant’Anna de Macacu e por S. José da Boa Morte.
A Freguesia Santo Antonio de Sá ficaria vinculada até 30.12.1875 – data em que a freguesia foi transferida para Itaboraí por decreto provincial, conforme nota publicada no Diario do Rio de Janeiro em 8 de janeiro desse ano.
O rocambolesco fim do povoado
Sabemos do povoado através da literatura postal. Nas edições do Almanaque Laemmert entre 1876 e 1892 vemos que continuava operando a mala postal entre o Rio e Santo Antonio. O Relatório Postal de 1887 é ainda mais específico quando nos informa que “a mala de Santo Antonio de Sá segue pela EF do Cantagalo até Porto das Caixas e daí ao destino por estafeta”. Depreende-se que o povoado ainda permanecia em seu local original.
O Anuário Geográfico RJ de1964/65 nos traz a próxima informação: “O distrito de Sambaetiba foi criado por Decretos estaduais nºs 1 de 8 de maio e 1-A de 3 de junho de 1892, tendo por sede a povoação de Santo Antonio de Sá.” Eu entendo que Santo Antonio era ainda sede da Freguesia de mesmo nome que havia sido transferida para Itaboraí em 1875. Portanto, reinterpretando o IBGE, a freguesia foi na verdade renomeada Sambaetiba mantendo Santo Antonio como sede.
A agencia postal de Santo Antonio de Sá seria transferida para “Sambaitiba” por ordem da Diretoria Geral dos Correios em 17 de setembro de 1897, conforme publicado no DOU de 18 do mesmo mês.
Apesar de todos os percalços, Santo Antonio de Sá ainda manteve a condição de sede de distrito até 1910 quando o IBGE registra que “em virtude da lei estadual n° 966 de 31 de outubro de 1910 a sede distrital foi transferida para a povoação de Sambaetiba, passando o distrito a ter essa denominação”. O local está marcado com (S) no mapa de 1953 mais abaixo.
Assim, podemos considerar essa data como o fim de Santo Antonio de Sá. Despois de quase 300 anos desde a primeira capela.
O local da antiga povoação está atualmente deserto. Dela, restam hoje somente algumas ruínas, em especial as monumentais do convento de São Boaventura, num enclave dentro do Complexo Petroquímico de Itaboraí.
Acrescento o mapa de 1953 que mostra as divisas dos atuais municípios, com exceção de Guapimirim que só se emancipou de Magé em 1990.
Notas e informações
[1] O artigo tem estrutura inspirada em documento similar de 1937 intitulado “Vilas Fluminenses Desaparecidas – Santo Antonio de Sá” de autoria do Dr. José Matoso Maia Forte e publicado pela Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, tomo XLIV. O artigo está disponível na hemeroteca da Biblioteca Nacional. As referências não explicitadas no texto são dessa publicação.
[2] O mapa de 1823 é do Real Archivo Militar de Lisboa e o de 1892 é de Massow publicado pelos editores Laemmert. Ambos disponíveis no acervo da Biblioteca Nacional no RJ.
[3] Administrações e Agencias do Brasil Imperio 1798-1869 – Nova Monteiro 1934
[4] Relatório Ministerial de 1882 (Hemeroteca da BN)
[5] Visitas Pastorais feitas por Mons. Pizarro em 1794 (cit. F. Galdames, UFF 2007)
[6] Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro nº16, 1964/65 pg. 126 inciso IV (IBGE)
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