INTRODUÇÃO
É muito curiosa a história da agencia Avenida Rui Barbosa. Inicialmente pensei que se tratava da atual avenida no Morro da Viúva que liga o Flamengo a Botafogo, até notar que se tratava de uma época diferente, que uma pesquisa revelou uma realidade mais interessante.
PROJETOS DE HABITAÇÃO POPULAR
O grande crescimento da população urbana da cidade no século XIX trouxe déficit habitacional e a consequente proliferação de “cortiços” e “casas de cômodo” com péssimas condições sanitárias. Algumas melhorias foram introduzidas com as “estalagens” – pequenas casinhas de porta e janela ao redor de um pátio central.
Revista Renascença, ed. nº13 pg.90 (BN)
Ao final do império o governo adotou medidas para incentivar edificações populares pela iniciativa privada. Em 1889 a Companhia de Saneamento desenvolveu projetos para cinco vilas operárias no centro, nos subúrbios e nas proximidades de estações ferroviárias. Seu incorporador, Arthur Sauer, era também sócio-gerente da Tipografia e Editora Laemmert.
O projeto das “Villas” trazia importantes melhorias conceituais, com ruas centrais calçadas e arborizadas, alguns serviços centrais e casas de quatro cômodos mais área externa privativa.
A VILLA RUY BARBOSA
O Annuario Commercial do Almanak Laemmert de 1922 registra o empreendimento:
Revista Renascença edição nº15, março de 1905 (Hemeroteca da BN)
O primeiro empreendimento, a Villa Ruy Barbosa, foi lançado em 1890 no nº24 da Rua dos Inválidos, em terreno de uma antiga chácara que compreendia todo o quarteirão entre essa rua e as do Senado, Ubaldino do Amaral e Henrique Valadares, numa área de 25 mil metros quadrados. O empreendimento previa 145 casas e 324 cômodos para solteiros distribuídos por duas ruas e três travessas calçadas e arborizadas, com adequadas condições de saneamento. O empreendimento só ficaria totalmente pronto em 1912. A imagem dá uma ideia do aspecto interno da vila.
A comunidade prosperou, tendo como moradores ao longo do tempo ilustres personagens, conforme nos conta Celso Balthazar em seu livro No Tempo da Vila Rui Barbosa. Vários serviços se instalaram na comunidade – tais como açougues, bares e armazéns, além de uma agencia postal, conforme veremos mais adiante.
A planta abaixo reproduz o traçado da vila, estando em verde as áreas construídas e em vermelho a provável localização da agencia (em amarelo, casas hoje preservadas).
As duas maiores ruas internas eram a rua Ruy Barbosa – homenagem ao então deputado – logo depois renomeada Rua Dídimo (ainda hoje conserva o nome) e a travessa Maria Augusta, em 1934 renomeada Leon Simon, chefe da família que assumiu o empreendimento posteriormente. Seguem referencias que encontrei sobre elas. São imagens do Almanak da Gazeta de Noticias de 1899 (Hemeroteca da BN).
A “AVENIDA RUY BARBOSA”
Curiosamente, o empreendimento passa a ser popularmente conhecido por “Avenida Ruy Barbosa”, como atestam as referências obtidas na imprensa da época já em 1892.
Correio da Manhã, ed; 27/03/1910 (Hemeroteca da BN)
Demorei a entender por que o empreendimento era referido por “Avenida”, já que todo o memorial descritivo o nomeava “Villa”. Finalmente, uma pista surgiu na leitura do já citado nº 13 da revista “Renascença” de 1905 que traz a matéria “Onde Moram os Pobres” de autoria do engenheiro Everardo Backhauser. Em sua análise das condições habitacionais da época ele redige na página 92 o parágrafo que transcrevo abaixo:
“(…) Essas habitações tendem e hão de desapparecer si os futuros administradores municipais seguirem a recta norma que está hoje traçada e (…) deixar que floresçam nesses mesmos locais as encantadoras “villas operarias”. Os “cortiços” e “estalagens” já vão cedendo lugar a essa outra habitação popular que o vulgo e a sisuda linguagem offical classificaram de “avenidas”. A “avenida” é afinal uma estalagem aperfeiçoada. Uma rua central, calçada e com passeios ladeada por casinhas.”
Eis o mistério desvendado. Trata-se do único texto que encontrei na imprensa que introduz o termo avenida como sinônimo de uma vila de habitação popular.
Nota: no entanto, mestre Aurélio em seu dicionário a registrou. O verbete avenida, acepção 4. traz: “Bras. V. vila (3)”. O que nos remete ao verbete vila cuja acepção (3) reza: “Conjunto de pequenas habitações independentes, em geral idênticas e dispostas de modo a que formem uma rua ou praça interior, por via de regra sem caráter de logradouro público; avenida”. Voilà: eis a descrição exata da nossa Villa Ruy Barbosa (os grifos são meus).
A AGENCIA POSTAL “AVENIDA RUY BARBOSA” (16/07/1902 – 25/07/1911 BP)
Criada em 16 de julho de 1902 (fonte: Boletim Postal desse ano), a agencia postal localizada no empreendimento recebeu o nome de “Avenida Ruy Barbosa” mais uma vez confirmando o apelido cuja origem descrevi no parágrafo anterior.
A próxima imagem é do Relatório Postal de 1896, ao descrever a rede de caixas postais no centro da cidade. Repare que ele coloca no endereço da caixa nº 3 a Rua dos Inválidos n.24, Avenida Ruy Barbosa (Villa). Ainda não existia a agencia, que vai ser instalada no local em 1902.
Já esta nota, de 1910, refere-se especificamente à agencia:
Gazeta de Noticias, ed. 6/2/1910 (BN)
Já esta outra imagem – do Guia Postal de 1906 – ao invés de Avenida Ruy Barbosa traz o verbete:
Villa Ruy Barbosa, habitação colectiva, agencia urbana de 3a. classe (..) situada na parte da villa desse nome que dá para a Rua do Senado (…)
A agencia postal Avenida Ruy Barbosa seria fechada em 25 de julho de 1911 e seus serviços transferidos para a nova agencia recém-aberta na avenida Gomes Freire, 13 (fonte: Boletim Postal).
A imagem é da coleção de inteiros postais do colega Helio A. Moura Fº do Recife; abaixo detalhe do carimbo
A DECADÊNCIA DA VILA
Nos anos 1960 a vila já estava em franca decadência, tendo mudado de donos algumas vezes. Em 1968 o proprietário demole toda a quadra entre a Rua Dídimo e a Ubaldino do Amaral para a construção de um gigantesco conjunto de edifícios de 15 pavimentos (ao fundo na imagem abaixo). Algumas poucas casas (em marcador amarelo no croquis) foram poupadas na esquina da Rua do Senado e em sua maioria estão hoje abandonadas.
O restante do terreno foi invadido e depredado até que, em 2008, iniciaram-se as obras das moderníssimas torres do Centro Empresarial Senado que seriam ocupadas por escritórios da Petrobras. O projeto preservou e reformou algumas casas na esquina das ruas Henrique Valadares e Inválidos, local também assinalado em marcador amarelo no croquis acima.
Ela aparece em primeiro plano na bela imagem abaixo, que consegue apresentar o conjunto das três épocas: a original preservada em primeiro plano, a atual em segundo e ao fundo o edifício dos anos 1960 (foto de Marcia Foletto em O Globo)
N.A.: o interesse pelo tema resultou em continuação com uma segunda matéria que pode ser vista no menu Historia Postal sob o título “Agencias Postais em Vilas Populares“.
(*) monografia por Paulo Novaes, 2018 com atualização em março de 2020.
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