Agencias do rio Itabapoana – Caxoeira da Limeira

O DESAPARECIDO POVOADO DE CAXOEIRA DA LIMEIRA

Por Paulo Novaes*

  1. AS ORIGENS

O rio Itabapoana tem posição de destaque na geografia da região sudeste. Sua bacia hidrográfica compreende os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, constituindo o limite natural entre os dois últimos. Sua história remonta ao sistema administrativo das Capitanias Hereditárias implementado pela Coroa Portuguesa no Brasil em 1534.

A Capitania de São Tomé deve seu nome ao cabo de S. Tomé (batizado em 1501) no município de Campos dos Goytacazes. Ela foi concedida a Pero de Góis da Silveira pela Coroa Portuguesa por Alvará de 10 de março de 1534 e Carta de Doação de 28 de janeiro de 1536 [1] como uma das quinze parcelas do território brasileiro entregues por Dom João III de Portugal a donatários em regime de hereditariedade. Ela ficava compreendida entre as atuais cidades de Itapemirim (Espírito Santo) e Macaé (Rio de Janeiro) [2].

O mapa acima (Wikimapia) mostra a foz do rio Itabapoana, conhecido na época por rio Managé, no atual município de São Francisco de Itabapoana, local escolhido por Pero de Gois em 1539 como o local de implantação da Vila da Rainha, o primeiro núcleo de colonização em território fluminense [1A].

Segundo as parcas informações históricas disponíveis, foi onde também se construiu uma capela dedicada a Santa Catarina das Mós e um engenho para beneficiar uma incipiente cultura de cana de açúcar e, “umas dez léguas” rio acima, pouco antes das primeiras corredeiras do Itabapoana, um segundo engenho em local também referido por Vila da Rainha. Este último local seria o mesmo ocupado posteriormente pela povoação da Limeira [8]. A colonização foi, no entanto, muito hostilizada pelas populações autóctones. O território foi praticamente abandonado em 1548 até que em 1619 a capitania foi renunciada a favor da Coroa e posteriormente absorvida pela Capitania do Rio de Janeiro.

  1. CACHOEIRA DA LIMEIRA

Natural rota de escoamento da produção agrícola do norte fluminense, sudeste mineiro e sul capixaba no século XIX, os caminhos que margeavam o Itabapoana convergiam para o porto de Limeira, a partir do qual uma rota navegável permitia ligação à Corte via o porto marítimo da Barra do Itabapoana. Situado na região logo a jusante das últimas corredeiras do Itabapoana, o porto ficava na localidade conhecida por “Caxoeira de Limeira”. Nos Anais do Parlamento Brasileiro de 4 de junho de 1864 se encontra a menção à criação de uma empresa de navegação a vapor “desde o Porto da Limeira até sua foz no oceano”.

O progresso do local é atestado pela criação da agência postal “Cachoeira da Limeira” em 9 de março de 1864 [3]. As imagens dessa agencia são do site Agencias Postais;  carimbo com cercadura oval PA 1270 é conhecido a partir da emissão de 1866, como se vê na imagem.

 

  1. LIMEIRA DO ITABAPOANA

A povoação de Limeira conheceria seu apogeu com o advento do ciclo do café. Cito resumidamente uma nota no Diario do Rio de Janeiro, edição de 26 de junho de 1877: “Diz o Diario de Campos que o abastado fazendeiro Pinheiro de Lacerda cuja fazenda está situada a 1 ½ légua da divisa de Minas com a província pelos Tombos do Carangola (…) foi o primeiro a conduzir por tropas seu café para o porto de Limeira, há quatro ou cinco anos, quando se abriu a estrada do Carangola para Limeira do Itabapoana”.

Nesse período, a imprensa registrava intenso movimento comercial em Limeira, importantes festas religiosas e até mesmo a fundação em 1875 da “Sociedade Amor À Leitura” [4]. Em algum momento entre 1882 e 1885 a agência postal foi renomeada “Limeira do Itabapoana”.

 

Mapa Postal de 1888, mapoteca da B.N. As bandeirinhas sinalizam as agencias postais e o nº de listas a sua classe. As linhas cheias representam linhas postais por ferrovia.

  1. A ERA DAS FERROVIAS

A chegada das ferrovias à região norte do estado teve forte impacto na logística dos transportes, do qual Limeira não escaparia. A “E.F. Macaé a Campos” foi autorizada pela Lei nº 1.464 de 19 de novembro de 1869. As obras se iniciaram em 1872 e a linha chegou a Campos dos Goytacazes em 13 de junho de 1875. Em seguida, foi contratada a construção da “E.F. de Carangola”. O Decreto nº 6.167 de 15 de abril de 1875 aprovou o traçado definitivo que passaria por Vila Nova (na Freguesia do Morro do Coco) e logo adiante, em Murundu, se dividiria em dois ramais: um para Patrocínio em MG e outro para o Itabapoana na divisa com o ES [5].

Pode-se acompanhar pela imprensa, em meados da década de 1870, a celeuma entre os defensores dos traçados por Santo Eduardo ou por Limeira, sendo esta na época uma povoação mais importante como se observa nas notações do mapa de 1892 [6]. Em 13 de junho de 1879 a linha chegou ao Itabapoana, sendo a estação final denominada “Itabapoana” na localidade de Santo Eduardo [7], opção que se revelou mais vantajosa. A linha seguiria até Cachoeiro do Itapemirim em 1903, já sob responsabilidade da Leopoldina, estabelecendo em seguida uma ligação ferroviária entre a Corte e Vitória.

Mapa geografico de 1892, Mapoteca do IHGB. Em vermelho, as estações ferroviárias e, em negrito, os locais.

  1. A DECADÊNCIA

Os anos 1880 já testemunhariam o início de decadência do povoado de Limeira, alijado das rotas comerciais pela concorrência das ferrovias. No início dos anos 1890, praticamente já não há mais notícias sobre o local, com exceção dos roteiros de malas publicados pelos Correios e nos quais se lê que as malas entre Santo Eduardo e Limeira “circularão oito vezes por mês”. Há também uma nota de um viajante no “Monitor Campista” de 30 de janeiro de 1891 que diz ter encontrado a localidade ‘praticamente deserta’ por um surto de impaludismo.

O roteiro final, em ritmo lento, pode ser pautado pelos Correios: em sua edição de 22 de julho de 1906 o Diario Oficial da União publica estranha nota comunicando que “foi mandado cessar (sic) o funcionamento da agencia de Limeira de Itabapoana a partir de 1º de agosto próximo, sendo a correspondência encaminhada para Santo Eduardo”. O Boletim Postal só confirmaria o fechamento 4 anos depois, em 24 de outubro de 1910 e o Diario Oficial comunicaria finalmente em 4 de abril de 1913 que “foi suprimida a linha postal de Santo Eduardo a Limeira de Itabapoana no estado do Rio de Janeiro”. Fico me perguntando o que teria conduzido essa linha postal nos quase 7 anos desde que foi ‘cessado’ o funcionamento da agencia…

6. SITUAÇÃO ATUAL

Com exceção de uma pequena comunidade de pescadores, o local é praticamente desabitado e nem consta dos mapas atuais.

As famosas cachoeiras, titulo deste trabalho, teve seu desnível aproveitado para a construção da hidrelétrica PCH Pedra do Garrafão entre 2007 e 2009 com capacidade de geração de 17MW e forte impacto ecológico [9]. O mapa abaixo, extraído da Wikimapia, mostra o local atual.

As ruínas da Vila da Rainha e de Limeira têm sido objeto de pesquisa de alguns abnegados arqueologistas [8].


Notas e bibliografia:

[1] Municípios e Topônimos Fluminenses. Antônio Izaias da Costa Abreu. Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Niterói 1994.
[1A] Seria também um dos núcleos mais antigos do Brasil. São normalmente aceitos São Vicente, SP (1532) e Olinda, PE (1537) como os primeiros.
[2] “Os limites cartográficos das Capitanias Hereditárias do Sul” apresentado em outubro de 2016 no 3º Simpósio de Cartografia Histórica da UFMG, por Jorge Pimentel Cintra, Escola Politécnica da USP.
[3] Portaria do Ministério da Agricultura publicada em nota no Jornal do Commercio de 12/03/1864. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
[4] Nota sobre a Sociedade Amor à Leitura, matéria do jornal “O Norte Fluminense” clique aqui 141 anos de fundação
[5] A formação das E.F. no Rio de Janeiro. Helio Suêvo Rodriguez, Sociedade de Pesquisa para a Memória do Trem, Rio de Janeiro, 2004.
[6] Mapa do Estado do Rio de Janeiro, Laemmert & Cia, Rio de Janeiro 1892.
[7] Vale conferir a curiosa história do topônimo “Itabapoana” escolhido para a estação em Santo Eduardo em matéria no site Agencias Postais, Menu Historia Postal, veja link aqui
[8] Educação Patrimonial e Arqueologia na Vila da Rainha, Uellington Batista Soares, 2015
[9] abcapixaba.tv/eco/rio-itabapoana-quase-seco.htm

 


*Paulo Novaes é filatelista e editor do site “www.agenciaspostais.com.br” sobre História Postal do Estado do Rio de Janeiro.

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